No mesmo dia em que Quincas Venâncio encontra um valioso diamante, seu filho Quinquim é raptado por uma tribo indígena, que vivia em conflito com os garimpeiros, no Mato Grosso. A professora Joana Borora também é levada e, durante cem noites, acalenta o menino contando histórias sobre o folclore. A narrativa recheada de aventuras é do livro “Cem noites Tapuias”, obra de Ofélia e Narbal Fontes, responsável por acender em Adriana Ornelas, na época com 9 anos, a paixão pela literatura. “Eu estava no 3º ano do ensino fundamental, quando a professora Devanildes trabalhou esse livro com a gente. Eu fiquei tão encantada e, alí, eu percebi que ler é descobrir um mundo”, lembra Adriana.
Segundo levantamento do Instituto Pró-Livro, os professores são os principais influenciadores pelo gosto da leitura. Eles foram apontados por 11% dos entrevistados, seguidos por mães (8%) e pais (4%), na última edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, baseada em dados de 2019.
Assim como Joana transformou a vida de Quinquim a partir das histórias, no livro da série Vagalume, Devanildes também teve esse papel para Adriana. A menina cresceu, se formou em pedagogia e, hoje coordena um projeto de incentivo à leitura na Escola Estadual Lafaiete Gonçalves, em Santa Luiza, região metropolitana de Belo Horizonte. “A partir dalí, aquela professora mudou a minha vida. E é isso que eu quero reproduzir para meus alunos”, conta Adriana, aos 50 anos. E ela tem conseguido.
A professora e bibliotecária acredita que, para despertar o interesse do aluno, é preciso envolvê-los. Com o projeto “Ler é viajar”, para alunos do 6º ao 9º anos do ensino fundamental, Adriana propôs alguns livros para que os próprios alunos escolhessem. O vencedor foi “O escaravelho do Diabo”, de Lúcia Machado de Almeida, também da série Vagalume.
Ainda com as aulas no regime remoto, ela assumiu o papel de contadora, lendo capítulos a cada semana e instigando a curiosidade dos alunos, que assistiam o conteúdo enviado por vídeos. “No fim do livro, eu propus um desafio, estabeleci um prazo de 24 horas para que lessem os capítulos finais. Quem me mandasse o nome do assassino, ganharia um prêmio que eles mesmos escolheram: uma mala de guloseimas”, conta.
O diretor da escola, Rodrigo Martins, afirma que o resultado foi muito positivo. “Com a quantidade enorme de informações que eles recebem, acabam não tendo paciência para ler. Mas eles gostam de games e de disputa. Então eles se envolveram e se engajaram muito na proposta”, comemora.
De acordo com especialistas em educação e literatura, a falta do interesse dos estudantes pela leitura tem tornado a escolha dos livros paradidáticos cada vez mais desafiadora. Por meio de nota, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE) explica que a seleção passa por critérios baseados na diversidade dos títulos, na faixa etária, na variação entre grandes nomes da literatura e autores contemporâneos. E deve estar alinhada ao planejamento pedagógico, em conformidade com o Currículo Referência de Minas Gerais (CRMG). Atualmente, adaptações de versões clássicas têm sido uma aposta.
Na opinião da editora Mazza Rodrigues, o papel do professor é fundamental. “A escola é importante demais, que pena que esse país não honra o trabalho do professor. É ele que motiva o aluno. Se não tem isso, o livro é chato, grosso, são muitas páginas e não seduz”, comenta.
A professora de literatura Fabíola Farias defende que o espaço da sala de aula seja mais usado para estimular a leitura. “ A gente só forma leitores em sala e na biblioteca, lendo. Eu sou da turma que acha que o livro é uma coisa menos espetaculosa, mais intimista. Os professores recomendam mais ler em casa, mas os alunos não leem. Então, se ler é tão importante, vamos ler no tempo de sala de aula”, sugere a pesquisadora.
Com as turmas da escola da Adriana, o método tem dado vantagem na disputa com a atenção dos livros com a internet e todo o ritmo acelerado que ela oferece. “É importante usar o tempo da aula para estimular o aluno. Quando o professor lê com eles ou para eles, isso gera uma afetividade, uma conexão que os aproxima da história. Depois que começamos esse projeto, muitos deles me pedem sugestões. Até alunas de outra escola já vieram aqui conhecer a nossa biblioteca e pedir indicação. E isso é incrível, pois vamos além dos muros da escola e atingimos a comunidade”, afirma Adriana.
Afinidade de temas é levada em conta
Gêneros e estilos literários, diversidade de temas e faixa etária ainda são determinantes na hora de uma escola escolher quais livros serão lidos ao longo do ano. No entanto, nem de longe são os principais desafios. Além das preocupações pedagógicas, é preciso conquistar a atenção de um aluno que está cada vez mais interessado em redes sociais, jogos eletrônicos e toda a infinidade de opções oferecidas pela internet.
Segundo a diretora pedagógica Cléa Prado, todos esses quesitos são considerados na seleção dos títulos para os alunos da rede Verbita, que engloba o Colégio Arnaldo. “Mas é muito importante que, para cultivar o hábito da leitura, a escolha contemple temas que interessam àquelas pessoas. Então, se o aluno gosta de mangás, por que não começar por esse estilo e depois ir introduzindo outros?”, questiona a diretora.
Para envolver mais os alunos, a rede Verbita adota a estratégia de mesclar livros indicados pela escola com obras sugeridas pelos estudantes. “No ensino fundamental, são no mínimo dois livros por etapa, sendo um obrigatório e outro que o próprio aluno escolhe e compartilha com a turma”, diz.
A coordenadora pedagógica do Colégio Academia, de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, Leda Maria Fernandes, destaca que a seleção sempre busca atender às especificidades de cada série. “Temos a preocupação que atenda ao fim pedagógico, mas que tenha sempre a possibilidade de propiciar uma reflexão pertinente a temas atuais, como cultura popular, inclusão, diversidade, ecologia, curiosidades do mundo animal ou do universo”, destaca Leda.
Fonte: OTempo