Brasil, Portugal e África: nova visão sobre a literatura atlântica

Estudos de comparação da literatura de língua portuguesa começaram restritivos, mas nova abordagem integra fronteiras

O mar que separa, que é fronteira, limite geográfico, dominação colonial, palco de migrações forçadas, exílio e guerra, é também o mar que une Brasil, Portugal e África, fato comprovado quando estudamos as expressões artísticas, sobretudo a literatura desses países e suas inter-relações.

Lisa Carvalho Vasconcellos nos conta, em seu artigo publicado na revista Via Atlântica, que os estudos de comparação da literatura de língua portuguesa, em meados do século 19, restringiam-se ao conceito de “lusofonia”, “constituído a partir da derivação do radical luso, ou seja, elegendo Portugal como centro, no caso, de língua e cultura, mas também da política – implica necessariamente em uma visão hierárquica e metropolitana no que diz respeito às relações que se estabeleceram e continuam a se estabelecer entre as muitas manifestações literárias produzidas nos países de língua portuguesa”.

A literatura comparada estava associada com poder e dominação, “uma vez que sua constituição e estabelecimento se deram em meio a um projeto político claro, de ressonância histórica e também militar, tendo sido usada, no limite, como forma de legitimar a própria ideia de uma literatura nacional”. Porém, devido aos resquícios colonialistas que o termo carrega e, consequentemente, sua inconveniência, a autora propõe uma nova abordagem de comparação para as manifestações culturais dos países de língua portuguesa: a Literatura Atlântica, tendo como principal objetivo um estudo isento de preconceitos, sem vícios colonialistas e autoritários, e respeitando-se os valores de cada cultura e civilização.

Assim, o conceito de Literatura Atlântica, tendo o mar como fio de união, “referência espacial e simbólica”, segundo a autora, procura atender à “necessidade de um novo discurso que dê conta das múltiplas conexões culturais que existem entre países como Brasil, Angola e Portugal, por exemplo”, à formação diversificada e híbrida das sociedades, cultura e literatura desses países, sem a barreira dos critérios colonialistas.

O mar “é o elemento comum que, mais do que a partilha da língua do colonizador, une e ao mesmo tempo separa Brasil, Portugal e a África, sendo parte decisiva do legado comum que essas nações construíram”, afirma Lisa. A Literatura Atlântica propicia também o início dos estudos dos textos de ficção e dos testemunhos desenvolvidos quando das prisões políticas ocorridas no Brasil, em Portugal e na África, locais onde se formou “vasta produção cultural de memória e resistência política”.

“O poder do Oceano para unir e separar povos pelas múltiplas relações entre os mesmos” é visto em obras como Os Lusíadas, de Luís de Camões; Mensagem, de Fernando Pessoa; Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos; Mar absoluto e Viagem, de Cecília Meireles; e Mar morto, de Jorge Amado, mas, como afirma Lisa Carvalho Vasconcellos, “muitos outros textos já cantaram ou testemunharam o encontro do homem com o mar, e esse encontro já tem uma longa tradição no que diz respeito às culturas luso-afro-brasileiras”.

Fonte: Jornal da USP

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