Cinco autores para pensar o racismo ontem e hoje

Frantz Fanon foi um dos maiores pensadores pós-coloniais da França. James Baldwin, um dos nomes mais importantes da literatura americana dos anos 1950 quando o assunto é racismo e colonização. Ralph Ellison, também americano, venceu o National Book Award de 1953 com um livro no qual o personagem reflete sobre sua invisibilidade em uma sociedade dominada por brancos. A britânica Bernardine Evaristo tem sido celebrada como a voz literária negra mais importante da cena inglesa contemporânea quando se trata de escrever sobre a diáspora africana. E Jamaica Kincaid traz histórias de um Caribe violentamente colonizado. A pandemia continua seu curso, ficar isolado ainda é o único remédio contra o coronavírus e, apesar de amargo, pode ser atenuado com boas leituras. Então, na esteira de um 2020 marcado pelos protestos contra o racismo em todo o mundo, que tal começar 2021 prestigiando autores preocupados em compreender questões cruciais para a sociedade contemporânea? O Leio de tudo fez uma seleção de lançamentos recentes disponíveis em e-book ou no site das editoras, todos assinados por nomes fundamentais do pensamento negro mundial.

James Baldwin

A Companhia das Letras está empenhada em lançar a obra de Baldwin. Já são quatro volumes até agora e uma boa maneira de começar é pelo romance Se a rua beale falasse, que também virou roteiro de filme. No romance, Fonny e Tish formam um jovem casal no Harlem dos anos 1970. Um dia, Fonny é acusado de estuprar uma mulher branca e acaba jogado em um calvário kafkiano durante o qual reflete sobre o racismo e a discriminação num cenário de violência, mas também de esperança. Em Notas de um filho nativo, é o Baldwin ensaísta quem assume com uma série de textos da década de 1950 nos quais o fala sobre literatura, mas também sobre sua própria biografia. Um dos ensaios traz uma análise crítica de A cabana do pai Tomás (Harriet Beecher Stowe) e de O homem invisível (Ralph Ellison), obras que Baldwin considera excessivamente condescendentes em relação ao racismo. Também estão nesse livro dois belíssimos ensaios sobre o período em que o autor viveu em Paris. Baldwin ficou radicado na cidade por alguns anos e, a partir da perspectiva de um americano negro e homossexual, ele mergulha no significado de suas próprias origens. Em Igualdade em Paris, o autor chega à conclusão de que as referências culturais europeias não lhe pertencem nem nunca serão compreendidas por ele como o são pelos europeus, assim como a violência da colonização africana nunca será sentida pelos europeus como ele a sente. “Até as mais analfabetas entre elas estão relacionadas, de uma maneira que eu não estou, a Dante, Shakespeare, Michelangelo, Ésquilo, Da Vinci, Rembrandt e Racine; a catedral de Chartres diz a elas algo que não pode dizer a mim, tal como o faz, na verdade, o Empire State Building em Nova York, se alguém daqui algum dia estiver diante dele. É dos seus hinos de igreja e suas danças folclóricas que emergiram Beethoven e Bach. Se recuarmos alguns séculos, elas surgirão em toda sua glória – mas eu estarei na África, vendo a chegada dos conquistadores”, escreve Baldwin. Um estranho na aldeia, outro ensaio antológico, narra a experiência de Baldwin em uma aldeia suíça que nunca havia visto um negro. Ali, ele oscila entre a condescendência pelos habitantes do local e a crítica dura às posturas racistas que, aos poucos, se impõem. O livro tem prefácio de Teju Cole e de Paulo Roberto Pires.

Bernardine Evaristo

Britânica de origem nigeriana, Evaristo escreveu oito romances, mas foi depois de ganhar um Man Booker Prize que ela passou para a prateleira dos mais vendidos. O romance mais recente, Garota, mulher, outras, que a Companhia das Letras acaba de lançar, esteve na lista do Booker Prize de 2019, ao lado de autores como Salman Rushdie e Margaret Atwood. O livro é dedicado a mulheres de diversas gerações, filhas da diáspora africana cujas vidas, de alguma forma, têm a Inglaterra como ponto comum. Mães, filhas, irmãs, gays, heterossexuais, ricas, pobres, jovens ou idosas, elas dão nomes aos capítulos e têm suas narrativas interligadas por graus de parentesco ou amizade. Há um mundo de discussões na narrativa de Evaristo, cujo universo lembra muito o da também premiada Zadie Smith. Escravidão, desigualdade, racismo, machismo, homofobia, tudo pautado por um fundo político que se desenha na escolha das personagens. “Uma questão interessante é que não sou, normalmente, classificada como uma escritora política. E eu sou uma escritora política! Há uma sustentação política em Garota, mulher, outras que é a de explorar apenas mulheres britânicas negras em um único romance. A intenção é que o leitor aprecie o livro no nível da história, mas, ao mesmo tempo, que se engajem em todas essas questões”, explicou a autora em entrevista ao jornal The Guardian, a mesma na qual revela ter ficado surpresa ao descobrir que boa parte dos britânicos não consegue compreender o envolvimento do país na escravidão.

Garota, mulher, outras é desses livros cujos personagens são tão ricos e a escrita tão envolvente que fica difícil não fazer uma leitura ininterrupta e dedicada. Evaristo escreve sem pontos e letras maiúsculas, mas o leitor pode nem perceber tão fluido é o texto. Muitas vezes, quando quer enfatizar um pensamento da personagem, reserva uma linha para cada palavra. É um esquema que funciona surpreendentemente bem e não, nada tem a ver com a escrita contínua de José Saramago. É o que a crítica chama de “ficção de fusão polivocal”, com várias vozes combinadas em uma narrativa muito solta e inovadora.

Frantz Fanon

Psiquiatra francês nascido na Martinica, colônia ultramarina até hoje, Fanon é um dos nomes mais importantes do pensamento pós-colonial, porém é pouco conhecido fora da cena acadêmica. Por isso é bem-vinda a tradução de Pele negra, máscaras brancas, que a Ubu lançou no fim de 2021. É da perspectiva de um médico que Fanon escreve sobre o racismo, o colonialismo e a inserção do negro na sociedade europeia, especialmente a francesa. O impacto que o complexo de inferioridade alimentado pelo racismo causa na estrutura psíquica e como a sociedade pós-colonial é terreno fértil para o crescimento desse complexo são algumas das questões tratadas por Fanon nesse livro, um clássico, embora não seja o mais celebrado do autor. Os condenados da terra costuma ser o ensaio mais citado de Fanon. Em Pele negra, máscaras brancas, ele sugere que, como psicanalista, para lidar com o racismo, é preciso promover uma mudança das estruturas sociais por meio da conscientização do inconsciente dos indivíduos. O livro foi publicado em 1952. De acordo com Deivisson Faustino, autor do posfácio, a interpretação psicanalítica de Fanon, para alguns pesquisadores, é uma maneira de encarar a “descolonização da mente cuja ação é, antes de tudo, uma prática de ressignificação”. A edição da Ubu tem prefácio de Grada Kilomba, para quem Fanon foi fundamental e ajudou a elaborar, entre outras questões, a ausência de autores negros no campo da psicanálise.

Ralph Ellison

O homem invisível é um dos grandes romances de formação da literatura americana. Publicado em 1952, ganhou o National Book Award no ano seguinte. O livro trata da chegada de um homem ao Harlem, em Nova York, um personagem vindo do sul, região extremamente racista e segregada, para enfrentar no norte um racismo mais disfarçado, porém não menos violento. O romance se passa no início do século 20 e a descoberta desse mundo no qual ele é invisível devido à cor de sua pele permeia todas as experiências do personagem.

Jamaica Kincaid

Nascida em Antígua, no Caribe, Jamaica Kincaid era uma aluna brilhante quando a mãe decidiu mandá-la a Nova York para trabalhar como au-pair e enviar dinheiro para casa. Na época, ela ainda se chamava Elaine Potter Richardson. A adolescente escolheu outro caminho: rompeu com a família, foi estudar fotografia, tornou-se redatora de uma revista para jovens e, em seguida, repórter da prestigiada The New Yorker. Isso nos anos 1960, quando a luta pelos direitos civis dos negros americanos seguia um curso muitas vezes violento e cruel. Elaine trocou de nome, virou Jamaica Kincaid e passou a escrever livros cuja temática estava, de alguma forma, relacionada ao país natal e à condição colonizada de seu povo. Antígua só se tornou independente do Reino Unido em 1981. Em A autobiografia da minha mãe, que a Alfaguara acaba de publicar, Jamaica conta trajetória de uma menina órfã de mãe pelos caminhos nem sempre muito acessíveis de uma sociedade colonial. O texto é narrado em primeira pessoa, a partir da perspectiva de uma mulher de 70 anos que recorda o passado.

Fonte: Correios Braziliense / Blog Leio de Tudo

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