Ensino básico tem pouca diversidade na literatura infantojuvenil, aponta pesquisadora

Pesquisadora paraibana explica que o ensino básico ainda aposta nos mesmos clássicos de sempre.

Era uma vez uma criança que não gostava de ler. Para ela, a literatura era a literatura da escola, das histórias antigas e enfadonhas que precisavam ser decoradas para responder às questões na prova. De livros muito infantilizados ou do extremo oposto disso.

Até que ela descobriu que “numa toca no chão vivia um hobbit”. E isso aconteceu por acaso, sem que nenhum professor a mostrasse. Em seguida, ela viajou até a rua dos Alfeneiros, nº 4. Desde então, a criança mergulhou na literatura infantojuvenil, tornando-se uma leitora ávida. Apesar disso, os títulos que a escola trazia continuaram a seguir a velha receita entediante.

Neste Dia Nacional do Livro Infantil, o JORNAL DA PARAÍBA conversou com a professora e pesquisadora paraibana, Laiana Rosendo Oliveira, que argumentou que grande parte das escolas ainda adotam os livros clássicos e uma didática ultrapassada quando se trata de incentivar a literatura para crianças e adolescentes. Laiana estuda a literatura infantojuvenil e o seu papel na escola e desenvolveu uma pesquisa em Centros de Referência em Educação Infantil (Creis), em João Pessoa. Os Creis são creches ou pré-escolas que atendem crianças na primeira etapa do ensino básico.

Em sua pesquisa, Laiana entrevistou professores dessas creches para saber o que era levado para sala de aula em termos de literatura infantil. A pesquisadora concluiu que a maioria dos Creis ainda levam os clássicos, como ‘Chapeuzinho Vermelho’ e ‘Os Três Porquinhos’. Isso porque os professores não têm uma diversidade de leitura. Sendo assim, eles naturalmente não vão levar diversidade literária para os alunos em sala de aula.

De acordo com Laiana, quando os professores foram questionados se estavam lendo algum livro de literatura, a resposta foi negativa, com o argumento de falta de tempo e disponibilidade. Como resultado disso, os alunos têm um repertório limitado.

Outra constatação da professora, foi a “didatização” quando “o aluno acaba não lendo por fruição”. Ela explica que a literatura infantojuvenil tem uma função social, que é de fazer a sociedade ampliar seu ponto de vista. Mas as escolas, inicialmente, acabam descumprindo essa função social quando não conseguem alcançar as crianças. “Porque ela precisa ler para fazer alguma avaliação, para preencher alguma ficha”, completa.

Segundo Laiana, “era para existir um espaço em que os livros fossem acessíveis e ele, [o aluno], pudesse escolher o que ele quer ler. Mas, na maior parte das vezes, não é o que acontece na sala de aula”.

Portanto, apesar de muitos títulos terem sido superados em popularidade por narrativas mais atuais, como as histórias do bruxinho Harry Potter, ou do semideus Percy Jackson, os clássicos ainda continuam muito presentes nas escolas e creches. Laiana explica que o ensino ainda impede que muitas crianças se identifiquem com a leitura. “É interessante que a gente leia o que gosta, o que causa identificação. No espaço escolar, isso acaba sendo retirado um pouco da vida da criança”, enfatiza a pesquisadora.

O estudo de Laiana comprovou que a literatura para crianças e adolescentes, que deveria ser mais flexível, além de didatizada, trata de assuntos padrões. Dessa forma, a escola, que deveria ser a maior influenciadora da literatura, acaba tratando isso de forma inflexível, limitando as propostas e os temas, relegando a possibilidade de escolha e o ato de tomar gosto pela leitura a uma esfera inferior.

Diante desse cenário, há uma necessidade de levar diversidade para os leitores de literatura infantojuvenil. “Levar a literatura africana, a literatura de grupos de minorias, e escrita por mulheres, é muito relevante”, cita Laiana. Ela ainda diz que, às vezes, esses assuntos não fazem parte do conteúdo que é levado para ser visto, revisto e cobrado dos alunos, o que representa um problema.

A escritora baiana Evelyn Sacramento, autora de ‘Menina Nicinha’, e cofundadora do projeto ‘Lendo Mulheres Negras’, afirma que “é necessário que as crianças possam folhear as páginas e se reconheçam nas histórias e personagens, por isso, a importância da literatura negra, para que as crianças negras possam crescer conhecendo as histórias do seu povo, valorizando seus traços étnicos e culturais”.

Para a autora, isso não é algo importante só para pais e mães de crianças negras. Dar protagonismo a personagens negros e indígenas, abordar diversidade étnica e cultural para este público é uma forma de ampliar a percepção da própria sociedade. Ela explica que isso é importante para ir de encontro às práticas racistas que estão enraizadas na sociedade.

O paraibano Naldinho Braga, autor de ‘O Mistério no Galinheiro’, também fala de uma preocupação quanto ao regionalismo. “Eu sempre questionei a ênfase que é dada aos animais africanos. As crianças muitas vezes ficam com essa referência e crescem sem saber o que é um peba, um emboá, um teiú, por exemplo”, explica.

Além disso, a pesquisadora Laiana afirma, categórica: “Não existe idade para a leitura. Não existe idade para escolher livros, independente dos seus temas”. Para ela, a literatura infantojuvenil é para todas as crianças e todos os jovens.

Clara Alves, autora de ‘Conectadas’, concorda com Laiana. E quando se trata de questões de gênero e sexualidade, adiciona que falar desses assuntos não tem a ver apenas com jovens LGBTQIA+ que estão tentando se entender, mas também está relacionado a um combate à violência e ao preconceito.

“Se a gente não abordar esses assuntos antes, é claro que as crianças vão crescer achando que é estranho, que é errado”, diz a autora.

Laiana conclui explicando que a literatura só cumpre sua função social quando o leitor consegue identificar sua afinidade e escolher o livro que deseja.

Portanto, aquela criança que tomou gosto pela leitura, que descobriu J. R. R. Tolkien e J. K. Rowling, alcançou a parte mais acessível, os bestsellers. Fugiu dos títulos “quadrados” que a escola impôs e encontrou a literatura infantojuvenil por prazer próprio. Mas ainda tinha muito chão pela frente.

Mais tarde ela descobriria histórias em que há uma heroína, não um herói, que a personagem tem a mesma cor de sua pele, os mesmos gostos e que veio do mesmo país. De qualquer forma, o primeiro passo já foi dado: o gosto pela leitura.

Por Felipe Lima

Fonte: Jornal da Paraíba

 

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