Já dizia Mario Quintana: “Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas”. E se ler é uma ferramenta que permite acesso ao conhecimento, as estatísticas escancaram o tamanho dos desafios do Brasil: 48% da população acima de 5 anos não é leitora. E, de 93 milhões dos brasileiros que não leem, a grande maioria não o faz por falta de gosto ou de tempo, mas porque não compreende o que lê.
Os números, do estudo Retratos da Leitura do Brasil, realizado pelo Instituto Pró-Livro, ressaltam que a importância da literatura não se resume apenas a informar e emocionar. Como instrumento de aprendizagem, ela também assume um relevante papel no combate à desigualdade social. E é aí que o maior desafio salta aos olhos: como formar leitores num momento em que os hiperestímulos dos vídeos, das redes sociais e da internet como um todo roubam o tempo do livro?
A coordenadora da pesquisa, Zoara Failla, destaca que as pessoas continuam gostando de entrar no mundo da fantasia proporcionado pela leitura. Tanto que, de 2015 para 2019, a média de livros lidos por ano continua na faixa de cinco exemplares. Porém, a nova cultura digital e toda a hiperatividade que a acompanha tem impactado bastante os hábitos. “As telas trazem várias linguagens, sons e imagens, e isso acaba desenvolvendo novas habilidades para absorver vários estímulos ao mesmo tempo. Por outro lado, perde-se um pouco da capacidade de concentração, aquela característica e absorver de uma forma mais solitária, que é própria do livro”, analisa.
Em 2007, a falta de paciência foi apontada como principal motivo para não ler por 11% dos entrevistados. Em 2019, subiu para 26%. Já a dificuldade de concentração, que foi indicada por 7%, praticamente dobrou, aparecendo em 13% das respostas.
Zoara avalia que a necessidade de compartilhar a todo tempo não só conteúdo, mas as ideias e as emoções, parece estar deixando as pessoas viciadas, situação que levanta uma reflexão sobre os rumos da literatura.
“Eu fico com medo de o mercado entregar apenas aquilo que está sendo pedido para satisfazer a essa nova necessidade. Na verdade, ele tem o compromisso de criar necessidades que não estão presentes. Se a gente embarca nisso, estaremos deixando de criar habilidades importantes na construção do conhecimento”, analisa Zoara. Ela lembra ainda que os educadores têm um papel crucial na missão de apresentar aos alunos o prazer de ler.
Nessa jornada, os professores terão que lutar pela atenção dos jovens para tentar recuperar o tempo roubado do livro. De 2015 para 2019, o percentual de pessoas que apontaram o uso da internet como preferência no tempo livre subiu de 47% para 66%. No caso do WhatsApp, a fatia subiu de 43% para 62%. Os games subiram de 12% para 16%. Já a preferência pelos livros ficou estagnada em 24%.
A faixa etária dos adolescentes é a que merece mais atenção. Entre crianças de 5 a 10 anos, 11% realizam atividades ligadas à internet e às redes sociais no tempo livre. A fatia sobe para 35% entre crianças de 11 a 13 anos. Mas, quando chega à faixa entre 14 e 17 anos, essa proporção salta para 66%.
Mudança de hábitos gera revolução nas editoras
As livrarias, que em 2019 abocanhavam 38,6% das vendas do mercado editorial, em 2020 viram essa fatia encolher para 29,3%. No mesmo intervalo, a participação das livrarias exclusivamente digitais, que respondia por 0,4%, disparou para 20,1%. Os dados são do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel). Entretanto, esses números dizem mais sobre um boom nas vendas do e-commerce, impulsionado pela pandemia. E, além da forma de comprar, o perfil do consumidor também está mudando.
A diretora da Melhoramentos, Fernanda Saboya, destaca que, para acompanhar essa revolução, a editora apostou na diversificação dos títulos e dos autores. “Antes, a briga dos livros era com cinema e TV. Agora existem mil estímulos e uma profusão de conteúdos. Mas, mesmo com a reformulação, mantemos nossa missão de formar leitores”, explica.
Fernanda destaca que, diante da crescente disputa pelo tempo do leitor, uma estratégia eficiente tem sido o lançamento de títulos ligados a questões relevantes do dia a dia: “Temos investido em temas como parentalidade e uso tecnologia em excesso, que têm sido muito procurados”.
Outra estratégia é a adaptação de clássicos para linguagens mais dinâmicas. “Fizemos uma releitura de ‘O Menino Maluquinho’ e lançamos ‘Meu Pé de Laranja-Lima’ e ‘O Ateneu’ em quadrinhos”, pontua Fernanda.
Fonte: O Tempo