Catadoras de materiais recicláveis lançam livro na Feira Literária de Santo André

Elas são 21 mulheres de diferentes cidades do Brasil e todas catadoras de materiais recicláveis. A maioria é negra, muitas são chefes de família, sobreviventes de violência doméstica e de preconceitos diversos. Assim como muitos brasileiros e brasileiras, ficaram sem condições de trabalhar e perderam renda durante a pandemia. No entanto, por meio da arte, da escrita, da leitura da obra da escritora Carolina Maria de Jesus e da reflexão, elas transformaram suas histórias comuns de exclusão social, vulnerabilidade e a busca por condições de vida mais digna em narrativas únicas e intimistas, reunidas no livro “Quarentena da resistência”.

Publicado pela editora Coopacesso, o livro será lançado com a participação de algumas das autoras, no dia 25 de novembro, às 19h, em um evento na Feira Literária de Santo Andre (FELISA), que será transmitido no canal do YouTube  e na página do Facebook da FELISA ( https://www.facebook.com/feiraliterariastoandre ). O evento será retransmitido pelo canal YouTube  e na página do Facebook  do Canal Àwúre.

O livro “Quarentena da Resistência” é parte de um projeto homônimo que integra uma ampla iniciativa lançada conjuntamente pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo o Ministério Público do Trabalho (MPT) em 2020, com o propósito de promover o trabalho decente para pessoas em situação de vulnerabilidade. Um desses grupos é composto por catadoras e catadores de materiais recicláveis, uma categoria historicamente com menos direitos garantidos, trabalho marcado pela precariedade e insegurança e baixa remuneração. No escopo do projeto, está o documentário ‘As Recicláveis”, lançado em 2020 e que mostra a valor do serviço ambiental prestado por catadoras e catadores de materiais recicláveis, e ações realizadas com prefeituras e cooperativas para implementar a legislação referente, formalizar organizações de trabalhadores(as) e garantir condições de saúde e segurança para a categoria.

As atividades avançaram até que em 2020, a pandemia da COVID-19 deflagrou uma crise sem precedentes com impactos na saúde, na economia e no mundo do trabalho. A crise afetou duramente a geração de renda e a sobrevivência de grupos que já se encontravam em situação de vulnerabilidade, incluindo trabalhadores e trabalhadoras com salários mais baixos, pouco ou nenhum acesso à medida de proteção social, e inseridos na economia informal, além jovens, mulheres, população negra, indígenas e migrantes.

Neste contexto, foi criado o projeto ‘Quarentena da Resistência”, uma parceria entre a OIT, o MPT em São Paulo, a Festa Literária das Periferias (FLUP) e a Cooperativa Central do ABC (Coopcent ABC), com o apoio da Universidade Federal do ABC (UFABC) e os Laboratórios da Palavra e de Teorias e Práticas Feministas do Programa Avançado de Cultura Contemporânea da Faculdade de Letras/UFRJ, para promover a capacitação e a proteção de mulheres catadoras de materiais recicláveis organizadas em cooperativas. A metodologia promoveu a formação contínua sobre segurança e saúde do trabalho, economia solidária, organização financeira e cooperativismo.

“Inspiradas em Carolina Maria de Jesus, as catadoras, trabalhadoras severamente atingidas pela pandemia, em sua maioria negras, encontraram um lugar de fortalecimento e luta pela palavra e compartilhamento das dores e afetos. O potencial trazido pela literatura, a partir de reflexões sobre trabalho, racismo, gênero e outras questões que atravessam a vida das catadoras, reflete na organização do grupo e na defesa de direitos.”, afirma Elisiane dos Santos, procuradora do Trabalho do MPT-SP e uma das idealizadoras do projeto.

“Além disso, o resgate da história de organização da categoria profissional, agora em livro, mostra à sociedade a importância fundamental do trabalho que realizam, ao tempo em que cobra do Poder Público as condições e políticas públicas para a valorização e reconhecimento do trabalho de milhares de mulheres e famílias no Brasil, trabalho este do qual depende a vida das pessoas e do planeta. Essa obra deve ser lida por todos e todas.”, acrescenta ela.

Durante sete meses, semanalmente, 21 mulheres de cidades do ABC Paulista participaram, de forma virtual, de atividades de formação e oficinas de criação literária promovidas pela FLUP para estimular a escrita e o protagonismo de cada uma na elaboração do livro. Cada participante recebeu uma bolsa de estudos mensal no valor de R$385 durante quatros meses, destinada ao custeio de internet para os encontros virtuais e cestas básicas para assegurar a segurança alimentar e nutricional da aluna e de sua família.

Nas oficinas, as catadoras leram e debateram o livro “Quarto de Despejo: Diário de uma favelada”, da escritora Carolina Maria de Jesus, compartilharam experiências de vida e as moldaram em narrativas biográficas inspiradoras. A partir de suas histórias, manifestam-se problemas relacionados à brutal situação de desigualdade social, a violência doméstica, a violência urbana, a fome e a busca por condições de vida mais dignas a partir do que a sociedade descarta no lixo.

“Minha leitura tinha ido até o beabá e nem lembro se sabia ele todo. Vários sonhos que eu sonhava hoje eu sinto que realizei: é aprender a ler. Eu vou olhando, soletrando, agora com a chegada do livro da Carolina Maria de Jesus também… já aprendi muita coisa. Ah, eu tô tão contente. E vou aprender mais.”, conta Maria das Dores Pereira Primo, da Cooperativa de Material Reciclável de Ribeirão Pires (Cooperpires), de Ribeirão Pires.

Sustentabilidade e inclusão

Em todo mundo, mais de 15 milhões de pessoas trabalham com a coleta, a triagem e a reciclagem de resíduos gerados pelas cidades. Elas contribuem anualmente para a logística reversa de recicláveis, porque são responsáveis pela retirada de toneladas de resíduos de residências, comércios, vias públicas margens de rios e outros locais inapropriados para o descarte, transformando aquilo que não serve mais para os outros (o “lixo”) em sua fonte de renda. Catadores e catadoras prestam um serviço ambiental, assegurando que o equilíbrio ecológico seja garantido, gerando o manejo dos resíduos sólidos e a economia dos recursos naturais que servem de matéria-prima. O trabalho também gera impacto na redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE) no meio ambiente, e renda para milhares de famílias, com desenvolvimento sustentável para o país.

“O catador surge na sociedade, em primeiro lugar, por não ter outra oportunidade de trabalho. Muitas vezes, pelo seu histórico de sair da roça, de vir para a cidade e, ao chegar aqui, não tem escolaridade, não tem conhecimento de uma profissão. Aí vem a fome, vem a necessidade, e ele tem que encontrar alguma coisa para se sustentar, se alimentar. Então, começa o pontapé inicial da existência do catador. Falta de oportunidade e dificuldades.”, diz Ivanilda da Conceição Gomes, da Cooperativa dos Catadores da Vila Emater (Coopvila), em Maceió, Alagoas.

No Brasil, a Lei nº 12.305 de agosto de 2010 instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que reconhece a atuação de catadores e a catadoras de materiais recicláveis como agentes imprescindíveis à gestão dos resíduos sólidos. Dentre outros pontos, a Lei, por meio da PNRS, prevê a determinação de “metas para a eliminação e recuperação de lixões, associadas à inclusão social e à emancipação econômica de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis”. Entretanto, a Lei não tem sido implementada pelos municípios brasileiros e a discriminação dirigida a esse grupo persiste.

“Ao desempenhar o seu trabalho, diariamente, as catadoras de materiais recicláveis enfrentam preconceitos diversos, baixos salários, estigma, falta de proteção e invisibilidade social. Por isso, políticas inclusivas de gestão de resíduos que integrem os catadores e as catadoras de material reciclável às cadeias produtivas de reciclagem, podem contribuir para promover o trabalho decente, redução da pobreza e, principalmente, inclusão socioprodutiva das catadoras e catadoras. “afirma Thaís Dumêt Faria, Oficial Técnica em Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho para América Latina e Caribe da OIT.

“O processo de reconstrução da economia no pós-pandemia deve ser focado nas pessoas, e, para isso, será preciso criar mais e melhores empregos, com equidade, proteção social e inclusão para todas, todes e todos.”, acrescenta.

Fonte: OIT

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